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De boas intenções,


Hanoi, no Vietnam, ainda sob o domínio francês, se viu no ano de 1902 infestada de ratos. Os colonizadores franceses haviam construído nos bairros brancos da cidade, elaborados sistemas de esgoto. Contudo não haviam imaginado que estes seriam o lugar ideal para que ratos fixassem residência, e protegidos de predadores, pudessem gerar em pouco tempo uma população gigantesca de roedores.


Vann, Michael (2003) aponta que para reduzir a presença de roedores nos bairros nobres de Hanoi, o governo contratou os vietnamitas para caça-los. Na primeira semana de caça foram 7.985 ratos devidamente registrados; com os avanços nas “técnicas de caça” chegaram a registrar, em 12 de junho, a morte de 20.114 ratos em um dia, infelizmente os esgotos de Hanoi pareciam ser uma fonte ilimitada de roedores.


Os sábios políticos franceses, para evitar o transtorno de lidar com muitos cadáveres de ratos, pediam que fossem levadas apenas as caudas dos roedores, que após devidamente contabilizadas, resultavam no pagamento dos exímios caçadores.


Algum tempo depois, podiam ser vistos correndo serelepes pela cidade, muitos ratos sem os seus rabinhos, e os oficiais da justiça descobriram que os empreendedores locais, estavam na verdade criando ratos para receber a recompensa. Ou tão-somente caçando-os, apenas para cortar as caudas, deixando-os livres, para se reproduzirem em paz.


No ano de 1989, a Cidade do México lançou um programa, o “Hoy No Circula”, que proibia a maioria dos motoristas de usar seus automóveis um dia por semana, utilizando como base para identificar os veículos que teriam ou não direito de transitar, o último dígito da placa.


O objetivo da medida era muito nobre, evitar que os automóveis gerassem ainda mais poluição na já poluída cidade. Infelizmente pesquisas, como nos apresenta Lucas W. Davis (2008), ao analisar os resultados práticos da medida, não identificaram evidências de que as restrições tenham realmente melhorado a qualidade do ar.


Evidências indicaram em verdade, que as restrições levaram a um aumento no número total de veículos em circulação, bem como a uma mudança na composição dos veículos em vias públicas, elevando a presença de motores com altas taxas de emissão, resultado de automóveis mais antigos, que passaram a circular com mais frequência nas ruas da cidade.


Os mexicanos que precisavam trabalhar e não estavam muito interessados em trocar uma viagem em seu automóvel particular pelo conforto e segurança dos eficientes transportes públicos, compraram veículos usados, antigos e baratos, para transitar nos dias em que seus veículos principais estivessem impedidos de circular, resultando em mais poluição.


Durante o domínio colonial britânico na Índia, havia muitas cobras venenosas em Delhi, o governo local tomou então a sábia decisão de criar um programa para incentivar a população a matar as cobras e assim reduzir seu número.


Afinal era muito simples: traga uma cobra morta e pegue seu pagamento, acontece que dia após dia o governo pagava cada vez maiores somas e cada vez mais cobras mortas eram entregues. Calha que os astutos indianos estavam criando cobras, já que era uma atividade rentável. E o pior, no dia que deixaram de pagar, todas foram soltas.


Caso ainda não tenham percebido, até agora estamos falando de consequências não intencionais de medidas até que bem intencionadas, e isto tem um nome: “Efeito Cobra”, título de uma obra do economista alemão Horst Siebert, que trata do tema: as consequências não intencionais da tentativa de solução que tornaram o problema inicial ainda pior.


Acontece que as ações das pessoas, e especialmente do governo, sempre têm efeitos imprevisíveis ou não intencionais e infelizmente poucos tem a percepção, competência (ou mesmo interesse) em percebê-los antes de tomar decisões.


Segundo Frédéric Bastiat, economista que viveu entre os anos 1801-50 citou: “um ato, um hábito, uma instituição, uma lei não geram somente um efeito, mas uma série de efeitos. Dentre esses, só o primeiro é imediato. Manifesta-se simultaneamente com a sua causa. É visível. Os outros só aparecem depois e não são visíveis. Podemo-nos dar por felizes se conseguirmos prevêlos.”


Consequências não intencionais podem ser benéficas, Adam Smith apontou o exemplo do cervejeiro que produzia e fornecia cerveja aos seus clientes, não porque era benevolente, mas porque tinha que ganhar a vida


Todavia as consequências não intencionais estão presentes sempre e em toda parte, nem sempre benéficas, como já exemplificado. É necessário que possamos refletir sobre os reais motivos de, infelizmente, medidas de distanciamento social efetivamente não estarem apresentando os resultados esperados. E o rodízio de carros, resolverá o problema?


Referências:


Lucas W. Davis, 2008. "The Effect of Driving Restrictions on Air Quality in Mexico City," Journal of Political Economy, University of Chicago Press, vol. 116(1), pages 38-81, February.


Vann, Michael G, 2003. “Of Rats, Rice, and Race: The Great Hanoi Rat Masacre, na Episode in French Colonial History”, Michigan State University Press, vol. 4, 2003, pp.191-203.


Siebert, Horst (2001). Der Kobra-Effekt. Wie man Irrwege der Wirtschaftspolitik vermeidet. Munich: Deutsche Verlags-Anstalt. ISBN 3-421-05562-9


SMITH, Adam. A Riqueza das Nações: Uma Investigação sobre a Natureza e as Causas da Riqueza das Nações.1 ed, São Paulo: Madras, 2009. 747p.


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