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Em tempos de coronavírus: Hic Sunt Dracones...

Atualizado: 3 de abr. de 2020

Nestes tempos de coronavírus (ou COVID-19, como prefiram chamar), busquei como tantos outros, fontes confiáveis de informação que pudessem esclarecer alguns pontos ainda nebulosos.


Vírus

Durante minhas buscas, deparei-me incialmente com uma obra cujo título me pareceu bastante sugestivo: Spillover – Animal Infections and the Next Human Pandemic[1], uma obra vasta de quase 600 páginas onde o autor discorre sobre o efeito de “transbordamento”, apresentando como vírus e bactérias que originalmente infectam animais (selvagens ou domésticos), conseguem “saltar” para a espécie humana.


Para meu maior espanto, encontrei na sequência um artigo científico cujo título me chamou a atenção: A próxima pandemia: estamos preparados?[2] Publicado em bom português, por um cientista brasileiro, pesquisador do Instituto Evandro Chagas em Belém do Pará, o Dr. Haroldo José de Matos.


Que começa seu trabalho quase de maneira profética e relembra aos esquecidos, o aniversário de 100 anos da famosa gripe espanhola, ocorrido em 2018 (que por sinal, embora conhecida como espanhola, não se originou na Espanha, mas sim nos USA, onde foi identificada inicialmente). Uma pandemia, que por sinal, foi causada por nosso “velho” conhecido, o vírus influenza A - H1N1. Segundo o autor, na época, sucumbiram entre 20 e 50 milhões de almas humanas, vale ressaltar que a população do planeta em 1918 era estimada em um bilhão e seiscentos milhões habitantes, e que atualmente estamos com mais de sete bilhões e meio de habitantes[3] em nosso planeta. Em 2020, a china sozinha tem uma população acima de um bilhão e quatrocentos milhões.


O autor, ainda comenta que pandemias por influenza seguem um padrão cíclico, citando inclusive que alguns epidemiologistas “defendem a ideia de que a previsão de uma nova pandemia se assemelha ao processo da previsão do tempo, "governada" por sistemas caóticos.”


Em resumo, o mundo precisaria ter em mente que passaríamos novamente por uma pandemia e inclusive o autor apresenta três etapas como necessárias à preparação para eventuais novas pandemias: 1.) Aprimoramento da vigilância epidemiológica; 2.) Pesquisa clínica; 3.) Estrutura laboratorial voltada à formação de novos insumos e biológicos.


E finaliza seu artigo dizendo que para enfrentarmos uma pandemia, em sua opinião, precisamos fortalecer a capacidade de produção de novos insumos e biológicos, como vacinas e fármacos; e ter capacidade de previsão de aumento de produção e distribuição rápidas frente a situações de emergência. Eu diria que até um pouco mais que isso, mas certamente o autor deixou seu recado.


Sendo menos acadêmico, até Bill Gates, em palestra disponível no Youtube[4], já apresentava a possibilidade de um armagedon causado por um vírus. Segundo ele, se algo viesse a matar mais de 10 milhões de pessoas nos próximos anos, certamente seria um vírus altamente contagioso. E não mísseis ou uma possível guerra, e que por isso precisaríamos estar preparados, e investir para evitar possíveis pandemias.


Esta claro para todos nós, que não demos ouvidos aos avisos. E mesmo com tantos sinais, não fomos capazes de prever este “Cisne Negro” perfeito. Lembro que graças a Nassim Taleb[5], chamamos de cisne negro um evento que não foi previsto, um ponto fora da curva, um evento que foge a normalidade.


Taleb em sua obra nos mostra como ter humildade, pois certamente estamos acostumados a tentar modelar a realidade e propor cenários, algumas vezes até mesmo previsões. Porém o fato está posto, estamos em meio a uma pandemia e ela não foi prevista, um cisne negro perfeito diante de todos.


Um cenário que impacta todo o mundo e onde certamente o processo recessivo nos levará a um aumento no desemprego global, um caso de choques concomitantes de oferta e demanda – verdadeiro cisne negro, um duplo choque.


Como podemos facilmente observar, temos de um lado choques de oferta: onde a oferta global de produtos está afetada, pois as cadeias de suprimento que possibilitam a produção e distribuição estão paralisadas. E de outro lado, os choques de demanda, pois as fortes restrições de circulação, com fechamento de escolas e centros comerciais, a interrupção de eventos de massa e viagens já esta impactando fortemente a demanda agregada.


Esses dois eventos, ao mesmo tempo, inserem uma forte componente de incerteza e volatilidade no cenário já caótico, que resulta nas previsões cada vez mais alarmantes de queda do PIB e do nível de emprego global, bem como oscilações com tendências de baixa nas bolsas de todo o mundo.


Caso o Covid-19 mantenha a taxa de contaminação elevada, os impactos tendem a ser ainda mais elevados, neste ponto reside a importância de atenuar a curva dessa progressão, o que parece começa a acontecer, embora previsões realizadas no olho do furacão, sejam muito arriscadas.


Mas o que podemos fazer de fato nestes momentos de elevada incerteza? Inicialmente não é possível pensar em uma saída fora da presença forte do Estado, e neste ponto gosto muito da posição do colega Dr. Cristóvão Souza Brito, em nossos debates sempre concordamos que o papel do Estado foge dessa discussão simplista de Estado Mínimo ou Estado Máximo proposta por muitos. Compreendendo que precisamos do Estado Necessário.


Um Estado que cumpra seu papel essencial na sociedade, protegendo o mais fracos, fornecendo a necessária segurança jurídica e institucional. Sem todavia, tolher a iniciativa privada, a liberdade e a criatividade necessárias, compreendendo como Schumpeter[6] compreendeu, a importância crucial do empreendedor no desenvolvimento econômico, bem como a importância do crescimento econômico para a justiça social.


E compreendendo que a economia é instável, como bem nos apresentou Hyman Philip Minsky[7], muito embora nossa atual crise não se enquadre nos cenários previamente apresentados pelo autor, é compreensível que um dos elementos catalisadores do processo atual é certamente a complexidade de nossas relações (financeiras e produtivas) encadeadas globalmente, fazendo com que as turbulências se estabeleçam, e adquiram movimento próprio no cenário internacional.


A grande questão é que em um cenário de choques de oferta, se estes forem contrapostos por medidas de política fiscal expansionista, ou seja: aumento dos gastos do governo, com a economia parada (trabalhadores em casa) esse tipo de política tem seu efeito minimizado, eventualmente até gerando um efeito inflacionário (na economia brasileira atual outras pressões provavelmente atenuariam tais efeitos inflacionários).


Por outro lado, choques de demanda, até poderiam ser atenuados por medidas de política fiscal, como por exemplo uma redução importante de impostos (ou aumento combinado dos gastos). Todavia, é importante salientar, que sem elevar a produção (lembrem-se, estamos vivendo um duplo choque), não haverá produção crescente para sustentar essa maior demanda.


Mas do que nunca na história recente, empresas de todo o mundo se tornaram insolventes e dentre as principais vítimas, temos as pequenas empresas familiares, que têm pouco acesso a crédito e capital de giro, porém empregam grande parte da massa de empregados da economia brasileira.


O ‘shutdown’ global será medido não apenas em termos financeiros, mas também em efeitos colaterais como desorganização econômica. Lembrem-se, nunca na história desligamos a economia e depois tentamos dar partida novamente.


Precisamos de medidas sérias para que o fechamento da economia seja o mais rápido possível, e que protegendo os mais vulneráveis, possamos voltar rapidamente às atividades. Atribuem a Peter Drucker a frase: “o perigo em tempos de turbulência, não é a turbulência em si, mas agir com a lógica do passado.”


Neste momento são necessárias medidas combinadas para a sociedade continuar consumindo, como os agora já batizados “Corona Vouchers”, que devem cumprir seu papel social e dinamizador nesse momento de crise. Além de outras medidas que já vem sendo tomadas, como por exemplo a liberação para prorrogação de débitos, comunicada pelo CMN- Conselho Monetário Nacional no último dia 16/03/2020.


Precisamos permitir que empresas em dificuldades posterguem o pagamento de tributos, é imperativo oxigenar a economia brasileira. Para isso é importante reduzir peso o da burocracia estatal que onera a produção e facilitar principalmente o trânsito internacional de insumos e matéria-prima.


De forma a facilitar o financiamento a pequenas e médias empresas é importante não apenas crédito subsidiado pelo BNDES, importante no processo. Porém é possível reduzir, por exemplo, o imposto de renda e o imposto sobre ganhos de capital dos fundos de investimento (private equity ou de venture capital) que investirem em pequenos negócios. Isso certamente levará a um movimento maior de investimentos produtivos, gerando emprego e renda.


Soluções criativas precisam ser colocadas na mesa e discutidas de maneira clara e profissional, pois todos já perceberam que o momento é crítico e sem precedentes na história.


Lembrem que na renascença, os mapas que buscavam descrever o mundo conhecido, e também o desconhecido, eram adornados commonstros e dragões míticos, simbolizando os perigos que ainda desconhecíamos. Em 1510, no globo de Hunt-Lenox, o primeiro a conter os contornos da América, aparece a frase HIC SVNT DRACONES ("Aqui há dragões").


É bem essa a nossa situação! A pandemia e a crise já instalada pedem soluções criativas, e certamente marcarão nossa história. Embora guarde semelhanças com o evento de 100 anos atrás, o evento atual ocorre em outro cenário. Seguramente a humanidade sairá dessa crise, como já saiu de outras, porém: HIC SVNT DRACONES. [1] Quammen, David. Spillover: Animal Infections and the Next Human Pandemic. W. W. Norton & Company, 2012

[2] Matos HJ. A próxima pandemia: estamos preparados?. Rev Pan-Amaz Saude. 2018 jul-set;9(3):9-11. Doi: http://dx.doi.org/10.5123/S2176-62232018000300001

[4] https://www.youtube.com/watch?v=DcsbMWkIV1c

[5] Taleb, Nassin Nicholas. A Lógica do Cisne Negro - O Impacto do altamente improvável – Gerenciando o desconhecido. BestSeller. 2007

[6] Schumpeter J. A. (1939), Business Cycles. New York, NY: McGraw-Hill.

[7] Minsky, H. Stabilizing an Unstable Economy. New Haven: Yale University Press, 1986.


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